Brasil: Índios da Raposa Serra do Sol
É uma vitória histórica que faz justiça aos cinco povos indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), em Roraima, no norte do Brasil.
“Temos 35 anos de luta. Conseguimos que limitassem, demarcassem e homologassem a terra. Acreditamos que tudo isso deva ser confirmado como está”, afirmou o líder Martinho Macuxi.
Os 11 juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) levaram sete longos meses a concluir o julgamento de uma acção de inconstitucionalidade interposta pelos senadores de Roraima contra a demarcação da terra indígena. Iniciado em 27 Agosto de 2008, o julgamento foi adiado para 10 de Dezembro.
Tendo sofrido novo adiamento, foi retomado a 18 de Março último e concluído no dia seguinte com a decisão favorável à manutenção da reserva. Um conjunto de 19 cláusulas serve de base para futuras demarcações.
“Essas condições aplicam-se à Raposa Serra do Sol, mas têm um efeito transcendente para as demais demarcações”, afirmouo presidente do STF, juiz Gilmar Mendes.
“Há um alívio para todas as partes. O governo passa a saber os limites da sua acção e os afectados passam a ter alguma segurança jurídica neste contexto”.
Rápido para evitar conflitos
O prazo da retirada dos arrozeiros da Raposa será definido pelo juiz Ayres Britto e pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, responsáveis por supervisionar a execução da sentença. “Será um prazo comum, uniforme para todos os que ainda se encontram lá”, afirmou. “Acho que não vai haver resistência. Uma decisão do STF é para ser cumprida”.
Ayres Britto não garantiu se o prazo a ser definido terá em conta a colheita da safra dos produtores de arroz.
“Quem plantou em uma área sob litígio o fez por sua conta e risco”.
A advogada Joênia Carvalho, índia wapichana, que representa as populações indígenas, defendeu que a partir da demarcação contínua da reserva, qualquer ocupação por brancos é ilegal.
“Não se justifica a ampliação do prazo para que eles continuem produzindo ilegalmente dentro das terras indígenas".
De parecer contrário, é o advogado de defesa dos produtores de arroz, Luiz Albrecht.
“Os investimentos foram feitos e é preciso que sejam resguardados esses direitos”.
O advogado-geral da União, José Toffoli, esclareceu que a maioria dos arrozeiros já saiu da região de forma pacífica e pediu celeridade na retirada do grupo que ainda permanece no local.
“Quanto mais rapidamente a situação for resolvida, menor é a possibilidade de conflito”.
À terceira foi de vez. O Supremo Tribunal Federal decidiu, em 19 de Março, em Brasília, manter a demarcação contínua da área de 1,7 milhão de hectares, homologada em Abril de 2005 pelo governo de Lula da Silva, por 10 votos contra um.
Com esta decisão, um grupo de grandes produtores de arroz e cerca de 50 famílias de agricultores brancos, que ainda resistiam na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, terá de deixar a reserva.
texto Elísio Assunção
Cartão amarelo ao governo
As cláusulas fixadas pelo STF têm a ver com a instalação de bases militares na fronteira e com o acesso da Polícia Federal e do Exército à área sem necessidade de autorização. Por outro lado garantem o acesso de visitantes e investigadores ao Parque Nacional do Monte Roraima, situado dentro da reserva, assim como a proibiçãom de actividades de caça, pesca, recolha de frutos ou qualquer actividade agropecuária por pessoas estranhas. Além disso proíbe o alargamento da área demarcada. Gilmar Mendes mostrou um cartão amarelo ao governo. Pediu providências ao estado brasileiro para pôr cobro à situação de abandono em que vivem os índios das áreas demarcadas.
Na visita que fez, no ano passado, à aldeia Ingaricó, dentro da Raposa Serra do Sol, ficou com a ideia de que, naquela região, vivem índios sem assistência adequada.
"Percebe- se ali a angústia do índio e a falta de presença do estado. Os índios estão entregues um pouco à própria sorte. Têm que caminhar dois dias e viajar dez horas de ônibus até Boa Vista [capital de Roraima]. Faz-se a demarcação e nada mais”, criticou o presidente do STF.
Direito fundamental
A posse da terra é fundamental para a sobrevivência dos povos indígenas.
“Emerge claramente do texto constitucional que a questão da terra representa um direito fundamental dos índios porque, sem a garantia da permanência, o índio pode expor-se ao risco gravíssimo da desintegração cultural, da perda da identidade étnica e da erosão de sua própria consciência e percepção como integrante de uma nação”, afirmou o juiz Celso de Mello.
O Ministério da Justiça foi o responsável pela edição da portaria de demarcação da área, de nº 534/2005, e o presidente da República, pelo decreto de sua homologação, de 15 de Abril de 2005.