quinta-feira, 26 de março de 2009

Rios voadores

Eu não sei (nem consegui comprovar) se o Brasil participará dos debates programados para a Feira do Desenvolvimento, a se realizar durante a Feira Internacional de Lisbôa, nos dias 28 e 29 de abril próximos.

O tema que dominará o encontro leva o título de ”Por um mundo sustentável, Desenvolvimento e Recursos”. Tenho certeza de que o nosso país poderá dar uma contribuição inestimável para o enriquecimento dos debates. Os exemplos se sucedem e aqui está um deles.

Depois de percorrerem por um ano e meio a trajetória dos vapores de água que saem da bacia amazônica e distribuem umidade para o sul e o sudeste do Brasil, o casal Gérard e Margi Moss e a equipe científica que os acompanhou comprovaram que preservar a floresta é uma questão de sobrevivência para o país

“De onde vem a nossa água?” Essa foi a pergunta que motivou o casal Gérard e Margi Moss a começar a terceira fase do projeto Brasil das Águas - depois de terem realizado um estudo completo sobre a qualidade das águas brasileiras na primeira etapa e feito um trabalho de conscientização com a população ribeirinha sobre a importância da preservação dos rios.
De agosto de 2007 a março deste ano, eles percorreram, em seu avião monomotor, juntamente com uma equipe de especialistas do CENA – Centro de Energia Nuclear e do CPTEC/INPE – Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a trajetória dos vapores de água que saem do Oceano Atlântico, chegam à Amazônia, são “reciclados” e distribuídos para o restante do território brasileiro e da América Latina, até o limite da cordilheira dos Andes. Batizadas de Rios Voadores, essas correntes de vapor d’água também deram nome ao projeto.
A bordo, nas doze expedições realizadas, ia também um equipamento com tecnologia inovadora, desenvolvido pelo CENA, que coletava amostras de vapor d’água, transformando-as em gotículas, que eram posteriormente analisadas por uma equipe de cientistas e acabaram por responder à pergunta inicial.
O trabalho é pioneiro no mundo e ajudam a aumentar o entendimento sobre os processos meteorológicos, assunto ainda pouco estudado no Brasil. Com a quantidade de dados coletados nas mais de 1000 amostras de gotículas de água durante um ano e meio de trabalho, ainda é possível se chegar a muitas conclusões daqui em diante. De todo modo, os primeiros resultados são claros ao revelar os impactos que a existência da floresta amazônica exerce sobre o clima e a quantidade de chuvas no restante do país, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, assim como em outros países da América do Sul.
O CAMINHO DOS RIOS VOADORES
Engana-se quem pensa que as chuvas que ocorrem no Brasil são provenientes apenas da umidade que vem do oceano Atlântico e se condensa no continente. Boa parte delas se origina da evaporação e da transpiração da floresta amazônica, que formam uma quantidade enorme de vapor de água que se desloca da região Norte até o Sul do país.
Funciona assim: os ventos alísios empurram a umidade vinda do Atlântico para a Amazônia e provocam chuvas na região. Do total de chuvas, 25% alimentam os igarapés, 25% são retidos pelas folhas e 50% são absorvidos pelas árvores – esses últimos 75% voltam para a atmosfera em forma de vapor d’água, por meio da evaporação e da transpiração.
Esses vapores são transportados pelos ventos até a cordilheira andina, que funciona como uma barreira natural e redireciona o percurso da umidade para o Norte da Argentina, o Uruguai, o Sul e o Sudeste do Brasil.
O volume de vapor d’água produzido pela floresta é imenso – cada árvore de grande porte “evapotranspira” até 300 litros de água por dia! No total, são cerca de 20 bilhões de litros de água lançados na atmosfera todos os dias pela Amazônia, mais do que a vazão do Rio Amazonas – o maior rio do planeta!
Em uma das expedições, Gerard e sua equipe conseguiram acompanhar o percurso de um rio voador desde Belém até a cidade de São Paulo. Desta vez, 3.200 m³ de água eram transportados por segundo da Amazônia até a capital paulista. Em um dia, esse rio voador levou a São Paulo um volume de vapor igual ao consumo de água dos paulistanos por 115 dias ou a 27 vezes a vazão do Rio Tietê.
Os estudos ainda não determinaram quantas vezes por ano um rio voador passa pelas cidades brasileiras, de todo modo, sempre que esses rios voadores estão na atmosfera, o volume de vapor d’água e o potencial para a ocorrência de chuvas ficam bem superiores à média dos dias em que eles não estão presentes e a umidade resulta apenas das correntes que vêm do oceano.
O MAL DO DESMATAMENTO
O projeto também constatou que a Amazônia, cujo território corresponde a 56% das florestas tropicais da Terra, ameniza o aquecimento do ar, já que 40% dos raios solares que incidem sobre ela são utilizados para a evaporação da água. Quanto menor a quantidade de árvores, mais raios solares servirão para esquentar o ar.
A existência da floresta ainda é o que proporciona uma melhor distribuição da umidade do ar ao longo do ano. Isso porque, em dias em que pouca quantidade de vapor d’água entra no continente, as raízes das árvores amazônicas buscam água subterrânea e mantêm seu nível de transpiração, garantindo que os rios voadores continuem a cumprir sua trajetória. Esse fenômeno não acontece com as árvores das regiões de pasto, que tem raízes menos profundas e sofrem com a estiagem.
Os Rios Voadores constataram que o Pantanal também é uma região que recicla os vapores de água, já que 85% das chuvas que caem ali retornam para a atmosfera por meio da “evapotranspiração” – os outros 15% alimentam o rio Paraná. Essa umidade chega a São Paulo em cerca de 24 horas e pode fazer chover na cidade.
Ainda não é possível prever exatamente o que aconteceria com o Sul e o Sudeste brasileiros com a degradação das florestas – nos últimos 30 anos, cerca de 600 mil quilômetros foram desmatados na Amazônia – , mas é certo que isso aumentará a incidência de eventos extremos, como grandes tempestades e fortes secas."

César Salazar Pimenta
Belém - Brasil

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